Algumas semanas atrás assisti a um filme sobre a vida de Leon Tolstói, chamado A última estação. Uma obra muito boa que conta a história dos últimos anos da vida do autor russo de Guerra e Paz e outros clássicos da literatura do século XIX e início do XX. Conta muito mais que o autor e suas obras, fala do seu envolvimento com uma nova doutrina que surgiu em torno de suas idéias e passou a ser denominado de Movimento tolstoiano. Mas esse post não quer discutir o filme em si, mas a discussão gerada por ele.
Após o termino da sessão, no caminho de casa, minha amiga perguntou-me se poderia existir realmente um AMOR VERDADEIRO, como demonstrado no filme. Respondi com toda sinceridade que SIM, porém fiz algumas ressalvas. Esse amor pode existir se, e somente se, não for visto nem sentido através de LENTES e FILTROS. Trocando em miúdos, ele pode existir desde que seja realmente SINCERO.
Essa discussão levou todo o caminho de volta pra casa, e durante esse tempo tentei explicar que, na maioria das vezes, vemos na outra pessoa o que desejamos que ela fosse, e não o que realmente ela é. Nós a vemos através de uma lente que como nossos óculos, só servem para nós mesmos. O problema é que, como nossos óculos só servem para nós, as impressões que temos do outro só servem para nós e, nem sempre, se encaixam na realidade. Talvez por um pequeno período isso não seja obstáculo, mas com o tempo passa a ser e, ou as lentes caem ou algum tipo de ruptura acontece.
Já chegando próximo de casa, terminei de responder à pergunta dizendo que esse amor verdadeiro poderia e pode existir se enxergarmos o que há de verdadeiro no outro, se entendermos o outro como ele é, e não como desejamos que ele fosse. Devemos olhá-lo sem nenhuma lente, sem nenhum filtro. E isso não se resume somente a relacionamentos amorosos, mas a todo tipo de relacionamento que temos em sociedade. Relações entre familiares, de trabalho e de amizade também devem ser vistas sem o uso de lentes, o que normalmente não ocorre.
Em casa, pensei um pouco mais sobre essas últimas palavras do parágrafo anterior e pude perceber realmente que muitos relacionamentos, amizades, trabalhos e ofertas de emprego não dão certo porque, na maioria das vezes, esperamos mais do que eles podem nos dar. Porque, na verdade, os vemos através de lentes que nós mesmos colocamos e que muitas vezes podem distorcer a realidade. Essas lentes ou filtros caracterizam-se, muitas vezes, por vultuosas ofertas de dinheiro, no caso de trabalhos ou empregos; ou, nos relacionamentos amorosos, por "belezas" supostamente belas (no puro termo platônico) que são percebidas numa única noite; ou ainda, nas amizades esses filtros e lentes caem quando a cerveja acaba, ou quando alguém interfere nos desejos sexuais ou alcoólicos do outro.
Quantas vezes não escutamos: "Não era o que eu pensava", "Agora eu vi do que ele é capaz", "Não imaginava que ela podia fazer isso" entre tantas outras palavras de decepção e de arrependimento. Tudo isso acontece, pois nós vemos o mundo, somente, com os nossos olhos, ou com as lentes que colocamos em frente deles, e nos recusamos a enxergar a realidade. A VERDADE está visível pra quem quer ver. Nós por comodidade, geralmente buscamos deturpá-la através de lentes. Só pra citar um exemplo prático, tente usar óculos com lentes de graus elevados. No fundo, conhecemos a verdade sobre a pessoa com quem queremos iniciar um relacionamento, sobre a pessoa que queremos transformá-la em amiga, sobre aquela empresa que oferece um salário enorme, mas propositadamente, ou não, deturpamos essa verdade em detrimento de uma ilusão criada por nós mesmos.
Voltando ao início para terminar. O Amor Verdadeiro pode existir, se entendermos que o OUTRO é diferente de nós e que ele não precisa, necessariamente, ser o que pensamos dele. As pessoas não mudam, elas entendem as diferenças umas das outras. Como disse em outro texto, as pessoas podem ser o contrário de tudo aquilo que pensamos dela, cabe, portanto, a nós entendermos isso e ver se não estamos enxergando o mundo através de lentes, postas por nós mesmos ou por outros.
Ezequiel Barel Filho
Coimbra, 10 de janeiro de 2011